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Mostrando postagens de julho, 2018

O mito da imparcialidade no jornalismo e a História

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José Fernando Nandé O grego Heródoto (485 – 420 a.C.) consta como o primeiro sujeito que se preocupou em escrever a História. Embora com defeitos, parcial às vezes, fantasioso muitas vezes, pois não havia ainda método claro de pesquisa histórica, temos que considerar o seu valor, pois Heródoto nos deu antes de mais nada, o registro do pouco que conhecemos nesses dez mil anos em que nos identificamos como humanidade. Aquém disso, pouco ou nada sabemos, além das pistas que nos são dadas pelos achados arqueológicos, pela especulação e pela ficção. Essa preocupação com a imparcialidade entre os que se propunham a descrever os fatos numa linha cronológica, ou não, só se firmou com o tempo, ao se separar o que era mitologia, literatura e a história propriamente dita (conceitualmente, história também é literatura!). Nesse esforço, encontramos o historiador romano Tácito ( Publius Gaius Cornelius Tacitus; 55 – 120 d.C. ), que já no início de suas obras alertava, “ sine ira et studio

A arte de nomear incompetentes úteis ao governante (I)

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José Fernando Nandé Na época do Brasil Colônia, as nomeações de funcionários em Portugal eram garantidas por lei e dependiam única e exclusivamente da vontade do rei. Esse costume ainda sobrevive, e com força, aqui entre nós. Interessa saber a razão. Para isso, vamos fazer uma breve retrospectiva histórica desse velho costume de nomear, herdado pelos países da Península Ibérica, em especial Portugal e depois introduzido nas colônias, como foi o caso brasileiro. A primeira pista sobre a instalação desse costume, no Brasil, vem da própria formação política da Península Ibérica. Tanto Portugal quanto a Espanha têm suas origens profundamente marcadas pela expansão do Império Romano. Aliás, uma das razões da decadência e queda do Império vem justamente do ato de nomear. A rigor, para se obter cargos públicos e dessa maneira buscar uma carreira política, o cidadão romano dispunha de cinco formas: herança de sangue; eleição; nomeação; suborno; ou por assassinato em que também

A lenda da corrupção no DNA do brasileiro - Foi Caminha o primeiro corrupto a pisar no Brasil?

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José Fernando Nandé Há uma lenda na política brasileira a ganhar terreno todos os dias e que concede a Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, em 1500, a primazia no afamado "jeitinho brasileiro". Pela lenda, no final de extensa carta ao rei Dom Manuel I, em que Caminha tece pormenores sobre a nova terra descoberta e da própria expedição, o escrivão pedira ao rei um cargo para seu genro. Mas, de acordo com o historiador e jornalista Sinval Medina, essa história toda não passa de exagero até mesmo da própria imprensa que, toda vez que corrupção no Brasil toma destaque nos noticiários, a revive para ilustrar o tema. Ou seja, por essa visão simplista da história, há uma indução para se fazer crer que a corrupção no Brasil está profundamente atrelada aos detentores de cargos públicos e a outros vícios administrativos e que isso se deve ao DNA político herdado dos portugueses. Genes que teríamos até hoje em nosso sangue, conforme destaca o hist

Marx ensinou o capitalista a vender ideologias

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José Fernando Nandé Um dos maiores estudiosos do capitalismo foi Karl Marx (1818-1883), que para a juventude de hoje é algo como um papai-noel barbudo bem ultrapassado, como são todas as filosofias que, para se explicarem, exigem mais do que 240 caracteres. Ou seja, no imaginário juvenil de shopping, aquele velhinho que viveu no século XIX e falou alguma coisa sobre o comunismo, ou socialismo, "naquele lance tipo de tudo que é teu é meu também". Brincadeiras à parte, quem leu O Capital (de verdade!) e o entendeu, sabe que não minto quanto a Marx ser um estudioso do capitalismo. Homem de método, Marx compreendia que para derrotar o que considerava inimigo há de se estudá-lo. Mas Marx foi um só, os que vieram depois dele, pensadores menores, dirigentes partidários anões, enfim, os sectários de seitas, tentaram apenas pensar num sistema que suprimisse de vez o grande Leviatã do proletariado: o mercado capitalista, em que a mão-de-obra poderia ser comprada e ou v

O escritor Gorki foi condenado à morte por não enaltecer a U.R.S.S.

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José Fernando Nandé S ão terríveis certas palavras e expressões. Alma e Espírito, por exemplo. Dizem muito, entretanto sem se explicarem. Por desgraça, estes espectros da realidade habitam outros mundos, etéreos por certo, dos quais só temos vagas e imprecisas notícias. Em literatura, essas duas palavras teimam em existir, mesmo que o autor nunca delas faça uso. Em Alexei Pechkov, nosso “amargo” Gorki (foto), encontramos vários espíritos que habitam sua obra. Na maior parte, espíritos de revolta contra a condição humana, porém de profundo respeito ao que nos faz humanos. No Brasil, temos dois notáveis textos sobre este escritor russo, um de Carpeaux e outro de Cony, que buscam desvendar o espírito — ou espíritos — de Gorki que, aliás, ele mesmo esboçara em “As minhas universidades” por meio da fala da personagem Nicolau, um químico com ares de filósofo. O espírito de Gorki fundamenta-se na liberdade: “Não esqueças o que já sentes dentro de ti: a liberdade de pensamento é

Dos Beatles ao bate-estaca - o ruído vendido como música e cultura

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José Fernando Nandé No dia 26 de setembro de 1969 era lançado o último álbum gravado em estúdio pelos Beatles,  Abbey Road . Sim, os Beatles lançariam ainda  Let It Be , oficialmente o último a chegar ao mercado, mas que foi gravado meses antes das sessões que deram origem a  Abbey Road . Bom, isso é história para ser discutida em liturgia de boteco, para os que ainda têm fígado em pleno funcionamento, é claro! A pergunta é: o que veio depois, em qualidade, com alma, no mundo pop? Respondo: pouco ou nada. Estão aí os shows e festivais nos mostrando o retorno dos velhinhos com suas guitarras e bengalas, que nos fazem crer que a boa música pop se esgotou no final da década de 1960, ou no início da década de 1970. Talvez, a efemeridade da música pouco criativa que se seguiu, também possa, e deve, ser explicada pela máquina de moer carne chamada "indústria cultural", ávida por novos produtos na prateleira, em velocidade digna do mundo industrial idealizado por For

Vinicius e Tom, a poesia e a música com todo o respeito

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José Fernando Nandé Vinicius e Tom Jobim, uma parceria que procurava não maltratar os versos nem a música Gosto de efemérides, datas que são chamadas para a memória. Algumas não muito boas, outras ótimas em lembranças. Esta por exemplo, que antecipa um pouquinho os 105 anos do aparecimento de Vinicius de Moraes. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913. Não vou focar este pequeno escrito na sua trajetória de vida, por demais conhecida e de fácil acesso em sítios especializados na internet. Pretendo aqui apenas destacar o perfeito casamento de sua poesia com a música. Vinicius quebrou vários paradigmas musicais e poéticos ao colocar a poesia a serviço da boa música. De tal sorte, que a expressão letrista-compositor ganhou o mesmo status de poeta. Pois havia, e ainda há, um certo incômodo entre os poetas ao se rabiscar poemas e depois musicá-los. Parte desse incômodo se explica no modo de se fazer música, que pode ser a princípio de três formas - a partir da mel

Matemática mostra desordem do STF

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José Fernando Nandé Muita gente jura que a Matemática e o Direito são apartados de nascença. Ou seja, são azeite e água, não se misturam. Mas o matemático Lawrence Sirovich, da Escola de Medicina de Mount Sinai, na cidade de Nova York, provou recentemente que é perfeitamente possível fazer uma análise matemática dos vereditos (acórdãos), totalmente imparcial e objetiva, mesmo para tribunais que vão além das interpretações legais e avançam para o nebuloso campo dos acertos políticos, de esquerda ou direita, conservador ou liberal. O trabalho que ele fez é modelar no que tange à matemática, ou seja, pode ser reproduzido na análise de qualquer tribunal, em qualquer país. Em artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences , Lawrence mostra ter estudado detalhadamente 500 decisões (acórdãos) tomadas pela Suprema corte Norte-americana - com 9 membros - entre os anos de 2009 e 2012, quando presidida pelo juiz Willian Rehnquist. A pesquisa est

Em que dimensão você vive? - Física

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José Fernando Nandé Lembro-me muito bem de certa noite do ano letivo de 1985 (preparávamos para a passagem do cometa de Halley, em fevereiro de 1986, quando cheguei até a passar por dificuldades para adquirir um pequeno telescópio). Nessa noite, a aula no Centro Politécnico da UFPR era de Geometria Analítica e Álgebra Linear, o quadro-negro estava lotado de equações derivadas e integrais para responder ao problema proposto: quantas dimensões existem? – Depois de três horas de formalismo matemático, chegamos à resposta teórica mais simples possível: “n”. Ora, em matemática o “n” quer dizer qualquer número imaginável, no caso, maior que zero e inteiro. Hoje, os físicos vislumbram de 9 a 11 dessas dimensões e nós, em nosso mundinho cúbico e euclidiano, nos acostumamos a viver com apenas três delas: extensão, profundidade e altura. E é desta maneira que boa parte das almas vê o mundo. Galileu Galilei (1564-1642), Isaac Newton (1643-1727) e todos os viventes que vieram depois