Marx ensinou o capitalista a vender ideologias

José Fernando Nandé



Um dos maiores estudiosos do capitalismo foi Karl Marx (1818-1883), que para a juventude de hoje é algo como um papai-noel barbudo bem ultrapassado, como são todas as filosofias que, para se explicarem, exigem mais do que 240 caracteres. Ou seja, no imaginário juvenil de shopping, aquele velhinho que viveu no século XIX e falou alguma coisa sobre o comunismo, ou socialismo, "naquele lance tipo de tudo que é teu é meu também".

Brincadeiras à parte, quem leu O Capital (de verdade!) e o entendeu, sabe que não minto quanto a Marx ser um estudioso do capitalismo. Homem de método, Marx compreendia que para derrotar o que considerava inimigo há de se estudá-lo. Mas Marx foi um só, os que vieram depois dele, pensadores menores, dirigentes partidários anões, enfim, os sectários de seitas, tentaram apenas pensar num sistema que suprimisse de vez o grande Leviatã do proletariado: o mercado capitalista, em que a mão-de-obra poderia ser comprada e ou vendida de acordo com as necessidades das linhas de produção das fábricas. Porém, enquanto pensavam a revolução do proletariado, nunca alcançada de fato, nossos descuidados marxistas foram engolidos pelo mercado capitalista.

É bom que se diga, que essa "revolução-proletária-libertária" sempre foi fagulha em palha molhada, seus pífios resultados foram apenas alguns arremedos de estados totalitários "socialistas", autoritários na essência (ditaduras do proletariado, sem proletários, é lógico!), firmados na propaganda da liberdade, porquanto a suprimia, em função de suas deficiências insuperáveis e desvios doutrinários e ideológicos, como o culto à personalidade, a criação de castas dirigentes corruptas e a distribuição da miséria.

A fogueira revolucionária só fez fumaça porque seus ideólogos não entenderam o conceito básico de Marx, entre outros, da reificação (res, no latim, coisa), processo de "coisificação" do abstrato que, em suma, tende dar um valor de troca para tudo, no sentido de transformar a "coisa" em mercadoria, mesmo que inútil, sob o aspecto prático. - Sim, senhores, o mercado de consumo impera e exige mercadorias novas de meia em meia-hora, seja qual for, inclusive as próprias ideologias, vendidas nas feiras como bananas, ao gosto do freguês!

Se, por um lado, os "marxistas" não entenderam a reificação, por outro, os capitalistas a entenderam muito bem. Assim, por regra, tudo que é "revolucionário" pode ser e deve ser mercadoria; ideias vendem bem, eis a máxima do mercado de consumo moderno. A diferença é que, no século XIX, a manufatura estava voltada para as necessidades reais - um abridor de latas era fabricado e vendido porque as pessoas precisavam abrir latas, com o preço desse abridor sendo regulado pela Mais Valia embutida nele e a necessidade pelo seu valor de uso.

Em nosso tempo,  o processo parece ser o mesmo, mas só parece, pois ganhou eficácia. Em vez dos simplórios abridores de latas, a "coisificação" ficou mais sofisticada. Agora, o capital agrega valor e dá preço a coisas com pouco valor de uso aparente, abstratas por excelência, mas suficientes para formar novos nichos mercadológicos, apoiados pela propaganda, publicidade e marketing - em outras palavras, num mundo saturado por mercadorias de todo o tipo, há de se criar necessidades no indivíduo ou grupo, como descritas brilhantemente pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow (1908-1970), em sua escala das necessidades humanas.

Exemplo disso tudo não nos faltam. Vamos citar apenas um e será o suficiente. Apanhe-se, pois, o movimento da contracultura dos anos 1960, e dele o movimento Hippie. A princípio, combatido pelos capitalistas conservadores, mas depois incorporado ao mercado, em aparente contradição. O Hippie, do real ao abstrato, foi rapidamente absorvido por uma nova indústria, que transformou em mercadoria seus ideais contraculturais, criando uma nova "cultura" de consumo. Quase que de imediato, com o auxílio da propaganda, tornou-se bacana, "bárbaro" mesmo, transformar-se num riponga de fim de semana: usar uma calça boca de sino produzida em série; o slogan "Paz e Amor", em camisetas; consumir tecidos coloridos; curtir a psicodelia musical industrializada por grandes gravadoras multinacionais; frequentar festivais contra o sistema, mas perfeitamente ajustados ao sistema, inclusive pagando caros ingressos. Enfim, no início dos anos 1970, o jovem que fugia das garras dessa nova indústria da insubordinação ingênua, estava morto, não vivia.

Com o tempo a fórmula foi melhorada. Agora, estenda isso para os modismos de nosso tempo, fabricados pelos próprios capitalistas e negue a existência de uma indústria da transformação de ideologias em mercadorias para cada gosto. O capitalismo vence, não por combater o que lhe pode corroer, mas por conseguir a mágica da alienação, a mágica de dar valor de uso e valor de troca ao utópico; o sonho ganhou seu preço e está nas prateleiras, para obtê-lo basta um cartão de crédito, mais nada. O socialismo perde porque vende o sonho mesmo para quem não tem dinheiro, mas não o entrega.

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