SUBSÍDIOS TEÓRICOS PARA A
ANÁLISE DA TRANSIÇÃO DOS NUMERAIS DO LATIM PARA AS LÍNGUAS PORTUGUESA E
ESPANHOLA NA ROMANIZAÇÃO IBÉRICA
José Fernando da Silva[1]
RESUMO
Por meio de pesquisa de registros históricos e evolução da aritmética no Ocidente, demonstra-se neste artigo que os numerais romanos passaram para as línguas portuguesa e espanhola conservando praticamente todas as suas características latinas, sem influências do romanço ou outros idiomas estranhos ao latim clássico. Nesse processo, houve apenas a supressão do gênero neutro e a eliminação das declinações, permanecendo o acusativo como caso lexogênico dessas duas línguas neolatinas. Verificou-se também que, após a romanização da Península Ibérica, já na Idade Média, a notação numérica e os algoritmos das operações aritméticas sofreram transformações radicais com a introdução dos algarismos indo-arábicos na Europa, entretanto os numerais romanos permaneceram quase intactos no Português e Espanhol
Palavras-chave: Filologia. Linguística. Matemática. Numerais. Latim.
INTRODUÇÃO
Os números e os numerais, os
quais compõe e descrevem os algoritmos das operações aritméticas e das
matemáticas de forma geral, estão presentes nas línguas modernas e são condição
sine qua non para o desenvolvimento de quaisquer civilizações. Este
artigo teórico tem por objetivo geral a investigação da transição do latim para
as línguas portuguesa e espanhola. O instrumento para tal é o estudo dos
numerais, isto é, a classe de palavras que exprimem número, ordem numérica,
múltiplo ou fração. (CEGALLA, 2007). Assim sendo, a partir do desenvolvimento
deste trabalho, busca-se elucidar o processo que deu nomes aos numerais em
português e espanhol e se foi necessário se buscar palavras estranhas ao latim,
de outros idiomas, para compor a nomenclatura desta classe gramatical. O
resultado certamente dará subsídios para futuros trabalhos acadêmicos,
principalmente nas áreas de matemática e ciências em que ela se aplica, além de
elucidar fatos históricos e contribuir para o estudo da linguística.
Como método, aqui não se
procurou as nuances orais do latim, mas sim os remotos registros feitos por
meio da sua morfologia e escrita, os quais são concretos e por isso, pouco
afetos a conjecturas e suficientes para explicarem línguas derivadas, hoje em
uso. Este cuidado com o método justificou-se no rigor científico, pois não
haveria como construir uma teoria sólida sobre este assunto, considerando
apenas vagas notícias de como se deu o processo do afloramento das línguas
neolatinas.
Há de se lembrar que os aparelhos
de gravação de sons e reprodução da voz humana só aparecem em 1877, com o
anúncio da invenção do fonógrafo, atribuída a Thomas Edison. (DE LAUTOUR, 2015).
Isso mesmo, a humanidade precisou esperar milênios para ter sua oralidade
registrada e guardada para posteriores estudos. Inclusive o registro de línguas
extintas recentes, sem um sistema de escrita. Ainda no século passado, algumas
dessas línguas “perdidas” foram salvas e mantidas em gravações magnéticas ou
digitais, nas quais se utilizam tecnologias advindas da eletrônica. Gravadas,
elas são depositadas em instituições de pesquisa, ou modernamente, via internet,
em sítios especializados, em que se destaca o Wikitongues.
Longe de problemas semelhantes
aos citados, para efeitos da delimitação do tema e para que se eliminem
quaisquer dúvidas, buscou-se registros gramaticais efetuados a partir de fontes
primárias, obras de estudos linguísticos e dicionários. Dessa maneira, optou-se
ainda pelo estudo de períodos históricos específicos e marcantes na construção
desses dois idiomas modernos, que têm como berço a Península Ibérica.
Para corroborar essas derivações
linguísticas, do latim para o português e do latim para o espanhol, lançou-se
mão de comparações entre palavras comuns e, notadamente, do sistema de
numeração adotado em remotas épocas, com seus numerais, tão necessário ao
comércio, à engenharia, à arquitetura, às navegações, ao desenvolvimento das
ciências e tão presente no cotidiano das pessoas. Em suma, o escopo específico foi
analisar a passagem do sistema numeral (ordinal e cardinal) e numérico romano
para as línguas portuguesa e espanhola, registrando suas contribuições para
esses idiomas. Investigou-se assim, se era necessário, ao português e ou ao espanhol,
o auxílio de outras línguas para ampliar os próprios sistemas de números e numerais,
além daqueles já presentes no latim.
DESENVOLVIMENTO
De acordo
com Birket-Smith (1962, p. 368), “A mais antiga escrita autêntica do mundo foi
encontrada na Mesopotâmia em tabuinhas de barro do período chamado de Uruk
(quarto milenário aC). Compreende 1.500 caracteres”. Todavia, destaca o filólogo
dinamarquês que de todos os sistemas de escrita da Antiguidade o de maior
significado é sistema fenício, sendo os vestígios mais antigos encontrados
datados do século XIII aC.
A priori, considerou-se aqui
somente esse período pós-escrita, quando se observa que a arte de contar e de se
computar o contado se desenvolveu de várias formas, as quais serão expostas em
seus contextos a posteriori. Assim sendo e admitindo-se um necessário salto na
linha do tempo, sabe-se que por volta do sexto século aC, floresceu na Península
Itálica, na região denominada de Lácio, a Civilização Romana. Este povo, o
romano, que tinha por língua o latim, essencialmente prático, desenvolveu um
sistema de contagem e notação numérica baseado no exercício de contar animais,
sobretudo ovelhas, abandonando o que era usado nos tempos homéricos (séc.
IX-VIII aC).
À maneira grega, relata Ifrah
(2011), os romanos também passaram a usar letras do alfabeto para representar
os números: 1, I; 5, V; 50, L; 100, C; 500, D; 1000, M. Esse sistema tinha boa
utilidade para a ordenação dos numerais, entretanto se demonstrava praticamente
inútil para as operações aritméticas. Segundo Ifrah (2011, p. 186), “Assim, um
povo que atingiu em poucos séculos um elevado nível técnico conservou,
curiosamente, durante toda a sua existência um sistema inutilmente complicado,
não operatório”.
Ifrah (2011) relata que essa
forma de notação numérica sobreviveu à decadência e queda do Império Romano e
avançou pela Idade Média, quando foi substituído, na Europa, pelos algarismos
indo-arábicos, que possibilitaram a realização de cálculo num sistema também
decimal. É importante frisar a presença dos árabes na Península Ibérica por
quase setecentos anos (711 dC – 1492 dC).
Ifrah (2011) comenta o duro
caminho enfrentado pela nova forma de cálculo com os recentes caracteres, chamada
de algoritmo. “Foi preciso esperar durante séculos até que o triunfo do
‘algoritmo’, como era então denominado o cálculo escrito, fosse finalmente
total e definitivo”. (IFRAH, 2011, p. 304). Vencida essa batalha, inclusive enfrentando-se
a resistência Igreja Católica durante o período da Inquisição, que via algo de
“mágico” no novo método de cálculo, chegou-se aos nossos dias com a notação indo-arábica
para os algarismos e a denominação romana para designá-los, os numerais.
Na realidade, por motivos
práticos, apenas trocamos uma notação por outra, mas a ideia fundamental de
contar e operar com quantidades de um conjunto ainda se faz a mesma dos
pastores que viveram na região do Lácio há quase três mil anos e com uma grande
novidade que revolucionou a matemática ocidental, que foi a representação do
nada, ou o ausente, por meio do zero. Dessa maneira, não se levando em conta as
linguagens maternas, hoje, em qualquer parte do mundo, a linguagem matemática
está unificada, mesmo que se ignore o árduo trabalho para se chegar ao que pode
ser considerado tão simples, a feliz junção dos numerais latinos e o conjunto
dos números Naturais indo-arábicos, N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9...}.
Furlan (2006), citando fontes
históricas, entre elas a Breviarium historiae romanae ab urb condita de Flavius
Eutropius (V dC), localiza a presença romana e consequentemente o latim, na
Península Ibérica, a partir da segunda guerra púnica no ano de 218 aC e
ressalta que aquela região era de interesse dos romanos por razões comerciais,
econômicas e estratégias. Este processo de conquista se prolonga de 193 ao ano
de 19 aC. Segundo Furlan (2006), a partir do ano 19 aC, a romanização da
Península foi geral em todos os aspectos culturais, sobremodo no Sul e com
grandes dificuldades ao Norte, onde não se conseguiu submeter, por exemplo, os
bascos, aos pés dos Pirineus ocidentais, que ainda em nossos dias são falantes
de língua não indo-europeia, o basco ou o vasconço.
Com a dominação romana, de
acordo com Plinius (77 - 78 dC), primeiramente as terras da Península (Hispania
terrarum) recebeu a denominação de Hispânia Ulterior, dividida
longitudinalmente em duas províncias, a Béltica e a Lusitânia. Divisão esta que
sugere, desde o começo da romanização, a existência de pelo menos dois
principais povos ocupando aquele território, os quais dariam origem aos
modernos estados da Espanha e Portugal, além da Galícia, hoje considerada
comunidade autônoma da Espanha.
Os fatores da rápida romanização
dessas populações nativas são enumerados por Furlan (2006): parentesco
linguístico entre o celta e o latim; a ocupação do solo pelos soldados egressos
do Exército Romano; o sistema viário e rotas marítimas que facilitaram o
comércio e outros intercâmbios com Roma; e o direito à cidadania aos súditos do
Império, concedido pelo imperador Caracalla (governou entre 211 e 217
dC). Não menos importante, em especial depois da queda do Império Romano do
Ocidente, em 476 dC, está a difusão do latim vulgar nas pregações da Igreja
Católica no período que seguiu, ou seja, ultrapassando a Idade Média.
Fernández (2015) mostra que, por
volta do ano 1000 dC, a Península Ibérica encontrava-se praticamente
romanizada, nos territórios hoje ocupados pela Galícia, Portugal e Espanha. Fora
deste fenômeno linguístico e cultural, somente uma pequena região ao Norte, já
citada, habitada pelos bascos.
Paralelos à romanização, de
acordo com Furlan (2006), pode-se identificar dois períodos da derivação
do latim para as línguas neolatinas da Península. O primeiro período vai de 200
aC até 476 dC, em que os falares regionais se aproximam dos idiomas românicos
modernos e o segundo, se estendendo do século V, quando esses falares já
assumem a forma de romances ou romanços até o século IX, quando surgem os
primeiros documentos cartoriais e régios misturando o latim, dito bárbaro, com
as novas línguas faladas pelos povos que habitavam a Península.
Fernández (2015) informa que
apesar de algumas incertezas, a língua castelhana, começou a ser registrada por
escrito após as Reformas Carolíngias, principalmente nos conventos e mosteiros.
Some-se a isso, o trabalho na consolidação do castelhano dos reis de Castela e
Leão. Neste ponto se destaca o rei Fernando III, o santo (1217 - 1252), o qual
tomou a decisão de ordenar à Chancelaria Real que começasse a emitir documentos
em castelhano, em detrimento do latim e do leonês.
Por outro lado, Furlan (2006) revela
os primeiros documentos redigidos em português: A Notícia do Torto (1214 -
1216), datado de 1214 e O Testamento de Dom Afonso II (1211 - 1221), rei de
Portugal. Ou seja, as duas nascentes línguas começam a ser escritas oficialmente
quase que no mesmo período, durante os primeiros anos do século XIII.
A Europa foi um cadinho efervescente
nos aspectos cultural e econômico desde o início da romanização. De acordo com
Beard (2020), a integração cultural que envolveu todo o Império, com grande
movimento de pessoas e bens, teve natural reflexo na vida econômica. Era um
mundo que, numa escala nunca vista, gerava fortunas, pois Roma dependia de um
suprimento básico de víveres cultivados nas margens do Império.
Neste cenário, Portugal e
Espanha, por suas posições estratégicas, ligando o Mediterrâneo ao Atlântico, avivaram
a natural vocação mercantilista. Franco Júnior e Chacon (1986) argumentam que
essa tradição mercantilista dos ibéricos, ganhará uma expansão na Idade Média e
para isso contribuíram a posição geográfica, a precoce centralização política
portuguesa e os progressos náuticos. Ora, se se adota por séculos a economia
mercantil, obviamente há de dar ênfase ao processo de troca, venda e compra de
mercadorias. Para que esse processo se dê a contento e em escala, há de se ter
sistemas de contagem, classificação, ordenação, medidas e contábil firmados em
números precisos.
Nos períodos de transições
linguísticas, do latim ao romanço até se chegar ao português e ao espanhol, foi
de uso da Península o sistema numérico romano, que sofreria modificações em
seus algarismos, mais tarde substituídos pelos indo-arábicos, entre a Baixa e a
alta Idade Média. Dessa maneira, ao se adotar a escrita das duas línguas
neolatinas em tela, mister se faz verificar como foram tratados os números, não
somente na grafia dos algarismos, mas, principalmente, na grafia de seus
respectivos nomes e variações.
Mas antes de examinarmos os
numerais propriamente ditos, necessário é se considerar como as palavras
latinas foram assimiladas nas novas línguas predominantes na região ibérica.
Aqui aparece um consenso entre os gramáticos e filólogos, ao constatarem que as
palavras de origem latina, tanto no espanhol quanto no português, que são a
imensa maioria, são pinçadas do modo acusativo das declinações.
Em latim, as palavras são
reunidas em declinações, em número de cinco. Os romanos declinavam os nomes, os
adjetivos e os pronomes. São seis os casos em que uma palavra pode aparecer numa
frase, período ou oração, então declinar uma palavra significa enunciar suas
seis formas possíveis no singular e seis formas no plural, no masculino e
feminino, além do neutro, se existir.
Observe-se a declinação da
palavra feminina rosa, ae, como exemplo, que em português e espanhol
mantém a forma escrita original latina:
Quadro 1 - declinação de rosa, ae (primeira
declinação)
CASO |
FUNÇÃO |
SINGULAR |
PORTUGUÊS ESPAÑOL |
PLURAL |
PORTUGUÊS |
Nominativo |
Sujeito |
rosa |
a rosa la rosa |
rosae |
as rosas las rosas |
Vocativo |
Chamado |
rosa |
ó rosa, rosa, |
rosae |
ó rosas, rosas, |
Genitivo |
adjunto restritivo |
rosae |
da rosa de la rosa |
rosarum |
das rosas de las rosas |
Dativo |
objeto indireto |
rosae |
para a rosa à rosa a la rosa |
rosis |
para as rosas às rosas a las rosas |
Ablativo |
adjunto circunstancial |
rosa |
com a rosa pela rosa con la rosa por la rosa |
rosis |
com as rosas pelas rosas con las rosas por las rosas |
Acusativo |
objeto direto |
rosam |
a rosa la rosa |
rosas |
as rosas las rosas |
Fonte:
elaborado pelo autor.
“O acusativo, que é para o
português o caso lexicogênico, isto é, o caso de que provieram os nossos vocábulos,
termina geralmente em m, no singular das cinco declinações. (...) O
acusativo plural das cinco declinações termina em s (ALMEIDA, 2000,
p. 89). No espanhol, o fenômeno se repete, com o acusativo também atuando como
caso da gênese da língua.
Nas gramáticas latinas constam os
numerais: cardinais, ordinais, multiplicativos e os distributivos. A ênfase
neste estudo recai sobre os dois primeiros, que são suficientes para a
demonstração desejada. De antemão, é bom que se frise, que as conclusões aqui
expostas não estariam prejudicadas pela ausência de uma análise mais detalhada
dos multiplicativos e distributivos, muito pelo contrário.
O cardinal indica quantidade e o
ordinal, ordem. (ALMEIDA, 1972). Isto posto, carece-se de se estudar como se
comportam os algarismos e seus nomes nas novas línguas ibéricas. Nos quadros de
2 a 4, são apresentados em latim os paradigmas das declinações, com os
respectivos casos lexogênicos para as línguas portuguesa e espanhola.
Quadro 2 - Declinação de
unus, a, um
Caso |
Masculino |
Feminino |
Neutro |
Português |
Español |
Nominativo |
unus |
una |
unum |
||
Genitivo |
unius |
unius |
unius |
||
Dativo |
uni |
uni |
uni |
||
Ablativo |
uno |
una |
uno |
||
Acusativo |
unum |
unam |
unum |
um, uma |
uno, una |
Fonte: elaborado
pelo autor.
Quadro 3 -
Declinação de duo, duae, duo
Caso |
Masculino |
Feminino |
Neutro |
Português |
Español |
Nominativo |
duo |
duae |
duo |
||
Vocativo |
duo |
duae |
duo |
||
Genitivo |
duorum |
duarum |
Duorum |
||
Dativo |
duobus |
duabus |
Duobus |
||
Ablativo |
duobus |
duabus |
Duobus |
||
Acusativo |
duos |
duas |
duo |
dois, duas |
dos |
Fonte:
elaborado pelo autor.
Quadro 4 - Declinação de tres,
tria
Caso |
Masculino e Feminino |
Neutro |
Português |
Español |
Nominativo |
tres |
tria |
||
Vocativo |
tres |
tria |
||
Genitivo |
trium |
trium |
||
Dativo |
tribos |
tribos |
||
Ablativo |
tribos |
tribos |
||
Acusativo |
tres |
tria |
três |
tres |
Quadro 5 -
Numerais Cardinais até o vinte
Romano |
Indo-arábico |
Latim |
Português |
Español |
I |
1 |
unus, una, unum |
um, uma |
uno, una |
II |
2 |
duo, duae, duo |
dois, duas |
dos |
III |
3 |
tres, tria |
três |
tres |
IV |
4 |
quattuor |
quatro |
cuatro |
V |
5 |
quinque |
cinco |
cinco |
VI |
6 |
sex |
seis |
seis |
VII |
7 |
septem |
sete |
siete |
VIII |
8 |
octo |
oito |
ocho |
IX |
9 |
novem |
nove |
nueve |
X |
10 |
decem |
dez |
diez |
XI |
11 |
undecim |
onze |
once |
XII |
12 |
duodecim |
doze |
doce |
XIII |
13 |
tredecim |
treze |
trece |
XIV |
14 |
quattuordecim |
quatorze |
catorce |
XV |
15 |
quindecim |
quinze |
quince |
XVI |
16 |
sedecim - decem et sex |
dezesseis |
dieciséis |
XVII |
17 |
septemdecim - decem et septem |
dezessete |
diecisiete |
XVIII |
18 |
octodecim - decem et octo |
dezoito |
dieciocho |
XIX |
19 |
novemdecim - decem et novem |
dezenove |
diecinueve |
XX |
20 |
viginti |
vinte |
veinte |
Fonte: elaborado pelo autor.
Na observação desses quadros, ressalta-se algumas
particularidades: a partir do latim, é evidente a origem comum dos numerais em
português e espanhol; nos radicais não aparecem traços de outras línguas. Além
disso, as formas sedecim, septendecim, octodecim e novemdecim são
equivalentes às formas: decem et sex, decem et septem, decem et octo, decem
et novem, assimiladas em português como dezesseis, dezessete, dezoito,
dezenove e em espanhol: dieciséis, diecisiete, dieciocho, diecinueve.
Os romanos também admitiam e usavam outras maneiras
de grafar os dois numerais finais de dezena, utilizando uma “conta de chegar”,
assim: 18, dois (tirados) de vinte, duodeviginti; 19, um (tirado) de
vinte, undeviginti; 28, dois (tirados) de trinta, duodetriginta;
29, um (tirado) de trinta, undetriginta. (ALMEIDA, 2000). Essa forma de
contar não chegou às línguas portuguesa e espanhola. A contagem do 20 em
diante, tanto em latim quanto em português continua sem sobressaltos ou sustos
com palavras derivadas de outras línguas.
Almeida (1973),
conceitua ordinal como o numeral que indica sequência e ou posição. Ao se
colimar as respectivas traduções fica clara a assimilação quase que completa
dos ordinais pelas línguas portuguesa e espanhola hodiernas.
Quadro 6 - Numerais Ordinais até o vigésimo
Ordinal |
Latim |
Português |
Español |
1º |
primus, a, um |
primeiro(a), primo(a),
primário(a) |
primero(a), primer, primo(a),
primario(a) |
2º |
secundus, a, um |
segundo, secundário |
segundo(a) |
3º |
tertius, a, um |
terceiro(a), terciário(a),
tercionário, terçã |
tercero(a), terciario(a) |
4º |
quartus, a, um |
quarto(a), quartenário(a),
quartã |
cuarto(a), cuaternario(a) |
5º |
quintus, a, um |
quinto(a) |
quinto(a) |
6º |
sextus, a, um |
sexto(a) |
sexto(a) |
Ordinal |
Latim |
Português |
Español |
7º |
septimus, a, um |
sétimo(a) |
séptimo(a) |
8º |
octavus, a, um |
oitavo(a) |
octavo(a) |
9º |
nonus, a, um |
nono(a), noveno(a) |
nono(a), noveno(a) |
10º |
decimus, a, um |
décimo(a), decimal, dezeno(a) |
décimo(a) |
11º |
undecimus, a, um |
décimo primeiro(a),
undécimo(a) |
undécimo(a) |
12º |
duodecimus, a, um |
décimo segundo(a),
duodécimo(a) |
duodécimo(a) |
13º |
tertius decimus |
décimo(a) terceiro(a) |
decimotercero(a) |
14º |
quartus decimus |
décimo(a) quarto(a) |
decimocuarto(a) |
15º |
quintus decimus |
décimo quinto(a) |
decimoquinto(a) |
16º |
sextus decimus |
décimo sexto(a) |
decimosexto(a) |
17º |
septimus decimus |
décimo(a) sétimo(a) |
Decimoséptimo |
18º |
octavus decimus |
décimo(a) oitavo(a) |
decimoctavo(a) |
19º |
nonus decimus |
décimo(a) nono(a) |
decimonoveno(a) |
20º |
vicesimus |
vigésimo(a) |
vigésimo(a) |
Fonte:
elaborado pelo autor.
CONCLUSÃO
Quod est
demonstrandum: ao se
usar apenas a escrita da língua de Iulius Caesar et Cicero para investigar
a gênese comum do português e espanhol, em momento algum se necessitou da
construção de hipóteses baseadas em outros recursos linguísticos para justificar
a passagem dos numerais de uma língua para outra; caso houvesse ainda alguma
dúvida de que as línguas portuguesa e espanhola têm fortes alicerces no latim,
bastaria apresentar os cardinais e ordinais, os quais encontram seus
correspondentes bem pertos da forma original, nas duas línguas neolatinas
examinadas.
Acrescente-se
à resposta da questão que orientou este trabalho, isto é, qual o processo que deu nomes aos numerais em português e espanhol
e se foi necessário se buscar palavras estranhas ao latim, de outros idiomas,
para compor a nomenclatura desta classe gramatical, é possível afirmar que os
numerais não sofreram influências de outros idiomas ao migrarem para as línguas
portuguesa e espanhola e são incontestavelmente de origem latina. Isso se
evidencia já na análise dos quadros comparativos, autoexplicativos por natureza.
Nota-se ainda que os numerais vieram compor os novos léxicos até mesmo em suas
formas originais, caso do numeral três por exemplo, o qual manteve-se tanto no
português quanto no espanhol, embora tenha perdido forma similar feminina, que
existia em latim. Esta passagem de uma língua para outra também se deu em nome
da simplificação. Com a adoção dos artigos, inexistentes no latim, o português
e o espanhol livraram-se do trabalho de ter que declinar as palavras para dar
sentido a frases e orações. Ora o numeral três é apenas um exemplo da feliz
apropriação dos numerais latinos como um verdadeiro sistema léxico voltados à
arte de contar e enumerar.
Na análise dos quadros revela-se
ainda a regra de permanência nas línguas neolatinas dos radicais dos numerais gerados
no latim, nos ordinais e cardinais. A regra é válida para toda a classe dos
numerais e evidencia-se nos ordinais, por exemplo, desde seu inicial ordenador,
que é o vocábulo latino primus, a, um, que gerou várias palavras
derivadas no português e espanhol sempre mantendo prim- como o
radical: primeiro(a), primo(a), primário(a), no
português; e primero(a), primer, primo(a), primario(a).
Essa regra
não se esgota apenas nos primeiros numerais descritos nos quadros destacados
anteriormente, ela vai mais além e alcança praticamente todo o sistema numérico.
As variações ficam por conta da ordem das palavras que eram usadas em latim e
como essa ordem foi adaptada para as línguas neolatinas, em estudo e que nada
muda o entendimento moderno dos numerais. Exemplos: nos ordinais, em que se usam “primeiro”, no
português e primero no espanhol, no latim usava-se também na forma unus
et, assim, unus et quinquagesimus
(51º); nos que se usam “segundo”, o latim usava alter, anteposto com
et, alter et quinquagesimus ou sem et, quinquagesimus alter;
escrevia-se nonagesimus nonus ou nonus et nonagesimus; do 101º ao 999º
escrevia-se quase sempre com o maior precedendo o menor, com ou sem et,
nonogentesimus (et) nonagesimus nonus; do 1001 em diante se escrevia-se o
maior precedendo o menor, sempre sem et, millesimus nongentesimus
quadragesimus tertius (1943º).
Há de se registrar que, quanto aos números houve
sim uma mudança radical com a adoção dos algarismos indo-arábicos. Embora ainda
persista na enumeração de capítulos e tomos de livros, ou em códigos legais, o
sistema de letras do alfabeto, na forma de algarismos romanos, eles foram substituídos
na prática em todas as áreas de conhecimento, sobremodo na matemática e outras ciências
na quais ela é aplicada, porém com os nomes representados pelos numerais mantidos
nos dois idiomas destacados.
Nas adaptações verificadas do latim para as
duas novas línguas nascidas na Península Ibérica, praticamente cem por cento
dos radicais dos numerais latinos permanecem os mesmos, ocorrendo adaptações
nas terminações em função do caso acusativo para uso como substantivos, ou
nomes. Há de observar também que tanto no português quanto no espanhol as
declinações foram suprimidas para os numerais, como de resto nas outras classes
gramaticais. A forma neutra, utilizada para designar coisas, igualmente
desapareceu, permanecendo numerais de serventia para os dois gêneros, ou
definidos ora como masculino, ora como feminino.
Ab ovo, já na apresentação dos quadros numerais, o que não pode passar
desapercebido é que a transição dos numerais romanos foi pacífica para os
idiomas de Camões e Cervantes e não sofreu influências do romanço e muito menos
do latim vulgar. Ou seja, os numerais usados hodiernamente nos idiomas estudados
têm suas raízes formadas no latim clássico e no vigor de quase três mil anos de
história do desenvolvimento da humanidade a partir da civilização romana.
Finalmente conclui-se que os resultados desta
pesquisa lançam bases teóricas para futuros trabalhos acadêmicos,
principalmente nas áreas de matemática e outras ciências em que essa disciplina
se aplica. O que se obteve, veio elucidar fatos históricos e contribuir para o
estudo da linguística, pois considera-se que ficou evidenciado que, em qualquer
escola do Ensino Fundamental, na mais simples feira, ou nas mais sofisticadas
universidades, os numerais em uso têm suas bases no latim tanto no português quanto
no espanhol. Estudar as anciãs e eruditas raízes dos numerais romanos é,
portanto, estudar a própria evolução das línguas neolatinas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Napoleão M. Gramática
Latina. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
ALMEIDA, Napoleão M. Gramática
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