O mito da imparcialidade no jornalismo e a História

José Fernando Nandé


O grego Heródoto (485 – 420 a.C.) consta como o primeiro sujeito que se preocupou em escrever a História. Embora com defeitos, parcial às vezes, fantasioso muitas vezes, pois não havia ainda método claro de pesquisa histórica, temos que considerar o seu valor, pois Heródoto nos deu antes de mais nada, o registro do pouco que conhecemos nesses dez mil anos em que nos identificamos como humanidade. Aquém disso, pouco ou nada sabemos, além das pistas que nos são dadas pelos achados arqueológicos, pela especulação e pela ficção.
Essa preocupação com a imparcialidade entre os que se propunham a descrever os fatos numa linha cronológica, ou não, só se firmou com o tempo, ao se separar o que era mitologia, literatura e a história propriamente dita (conceitualmente, história também é literatura!). Nesse esforço, encontramos o historiador romano Tácito (Publius Gaius Cornelius Tacitus; 55 – 120 d.C.), que já no início de suas obras alertava, “sine ira et studio“, ou seja, “sem ódio e sem preconceito”, ou sem parcialidade naquilo que escrevia. Ao que acrescentamos, “sine vanitas“, sem vaidades. Pois ainda é comum, encontrarmos poderosos que compram a peso de ouro biografias fabricadas, sobremodo em nosso tempo, em que vivemos sob a ditadura midiática e que, desta forma, pensam estar escrevendo a história, geralmente um amontoado de “verdades” convenientes para iludir a imprensa e a opinião pública por um tempo, mas não por todo tempo. Em análise apurada, são poucas dessas biografias que passam incólumes, anos mais tarde, pelo crivo dos historiadores.
Por isso, desejar de jornalistas, que definitivamente não são historiadores, um compromisso com a imparcialidade é algo insano. Ora, a matéria prima da imparcialidade nos parece ser o tempo, coisa que a notícia jornalística não dispõe. Os fatos acontecem e são registrado simplesmente, influenciados pelo meio e pelas vaidades imperantes. O juízo desses fatos dentro de um contexto mais amplo, afastado de todos os fatores que possivelmente os distorceram, é tarefa do historiador e não de curiosos ou de profissionais que não possuem com clareza os métodos de investigação próprios dos que se dedicam ao profundo estudo da História.
Portanto, o jornalista é um escrivão de diários. O historiador é um intérprete destes diários. Dessa maneira, falham os jornalistas que se aventuram pela interpretação histórica do factual e falham mais ainda os historiadores que tomam o factual como verdade. Somente o tempo pode tirar a influência das paixões, sine ira, studio et vanitas, sobre o objeto do estudo histórico.

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